segunda-feira, 22 de novembro de 2010

A Pornochanchada



Nelson Rodrigues foi um dos preferidos, se não o escolhido, para ter suas obras passadas ao olho do “buraco da porta” da pornochanchada. O auto-apelido do dramaturgo, “anjo pornográfico”, era a cara descarada do gênero surgido na década de 70 para resgatar um jeito simples de contar histórias e atrair o público, combinando pornografia baratinha, quase inocente, sem os escândalos boateiros de sexo explícito, com muito deboche, comédia irônica e violenta. Algum autor mais indicado do que o jornalista dos contos da “Vida como ela é”? Difícil imaginar, afinal todos os personagens da pornochanchada podiam ser vistos como a dama do lotação, a prostituta Geni ou os malandros interessados em estupros de qualquer tipo.

Encenada muitas vezes na freqüentada “boca do lixo” de São Paulo, claro, por personagens reais e fictícios, a obra pornochanchadeira, que tinha o complemento do gênero que mais fez sucesso popular com o público brasileiro por discorrer na tela características da comédia de costumes, tornou-se mal falada e pouco assumida inclusive por aqueles que participaram dela. Em especial as atrizes que não queriam ser vistas como específicas daquele cinema “barato, baixo, feito para a camada popular.” Coube a Arnaldo Jabor, Nelson Rodrigues, mesmo Sônia Braga e Paulo César Peréio assumirem o “filho que era teu”. E por direito.

O Filme: Toda Nudez Será Castigada



O ridículo da história é que dá o tom da comédia autêntica. Paulo Porto como um viúvo chorão e puritano aparece impagável, enquanto Darlene Glória encarna a prostituta que havia em sua essencial sensibilidade artística antes de se tornar evangélica. “Toda nudez será castigada” é seminal parceria da transição das obras de Nelson Rodrigues para as telas do cinema através do olho do cineasta/jornalista político Arnaldo Jabor. A história transcorre em clima de violência por todas as partes, sexo em quartos de bordel e muita comédia escrachada, protagonizadas principalmente pelo irmão cafajeste do viúvo Herculano, vivido por Paulo César Peréio, praticamente o próprio. O romance na cadeia e o suicídio exasperado de Darlene Glória, que registra tudo em uma fita cassete para narrar a trama são imagens perpetuadoras da obra.

O Ícone: Paulo César Peréio



Paulo César Peréio é a imagem da cafajestalha. A imagem de uma leseira desbundada. Mas sempre foi, sobretudo, o deboche em pessoa. A figura do ator se confunde com seus personagens porque o gaúcho de Alegrete faz questão de impor o tempo todo uma postura provocativa frente às pessoas. Peréio está sempre testando seu limite e seu bom senso. É a rebeldia sem ligação movimentista ou bandeiras descolores. É a rebeldia sempre incômoda, arrogante, incompreensiva para olhos sem substância líquida do teatro despojado que ele levou para as telas de cinema em suas interpretações pitorescas e deliciosas. Peréio é o cafajeste pelo qual não queremos ter carinho. E é esse seu grande mérito.

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